Monday, May 11, 2009

Dona Celeste, uma Moçambicana de Xai-Xai , com aparência de Nigeriana, no lixo.

Este texto foi escrito em 2007, como resultado de um processo de formação sobre o teatro e estetica do oprimido e publicado na revista Metaxis

Ela foi parida do lixo, a partir do nada, ela é a prova de que a criatividade não tem limites e tudo é possível transformar ao nosso jeito, consoante as nossas oportunidades.
Da mesma forma que os poemas, bandeiras individuais e depois colectiva, Dona Celeste, surgiu a partir das nossas ideias e um trabalho colectivo, em que todos tínhamos algo para dizer e fazer. Uns diziam que ela parecia uma moça grávida, abandonada, outros, uma doente mental, sem rumo, outros ainda um monstro, entre outras interpretações da figura que estava a nascer. Peça a peça, pintura a pintura, o nosso ser humano no lixo ganhava personalidade e uma identidade. Todos os homens têm direito a um nome.
Os seios cresceram, os lindos cabelos pretos tomaram forma, tomou forma igualmente o seu belo rosto cansado pelas vicissitudes da vida e opressões sofridas. Era momento de liberta-la.
Lá foi Dona Celeste na boleia, passeando pela cidade de Maputo, subúrbio adentro chegou ao Kape-Kape, no Chamanculo , ela também tem algo para dizer aos seus filhos, irmãos e amigos, no dia mundial de luta contra o SIDA e posicionou-se estrategicamente, em frente da casa onde cresceu e começou as correrias Lurdes Mutola , a moçambicana campeã mundial dos 800 metros, a preparar-se para o segundo ouro olímpico em Beijing. Deus estará connosco, acreditamos que sim!
Todos olhavam para ela, quem será esta mulher imponente que invade o olhar de todos. E as crianças respondiam é Dona Celeste, veio de Xai-Xai, ela é moçambicana apesar de ter uma aparência “nigerianada”. Ela é africana. Confesso que até hoje não percebi porquê Dona Celeste parece-se com uma Nigeriana, será pelo fardo que carrega, ou por ser africana!
Dona Celeste foi ao Chamanculo, um dos mais emblemáticos bairros de Maputo, não só famoso pela Lurdes Mutola, menina de ouro, e pelos excelentes jogadores de futebol, músicos, artistas que pariu e lançou ao mundo, mas sobretudo pelos problemas que enfrenta que vão convergir na delinquência juvenil, consumo excessivo de álcool e drogas, prostituição, fraco saneamento do meio entre tantos outros problemas que necessitam de uma intervenção rápida.
E ali estava Dona Celeste com o TO, a discutir o HIV/SIDA, no dia mundial de luta contra este flagelo que ameaça a prosperidade de Africa e tira sono a milhares. Há esperança! E a esperança está na construção de um sonho comum e um Moçambique melhor, espelhado na nossa gigante e expressiva bandeira , fruto da paixão de Moçambicanos, do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Indico, pela sua terra.
A nossa esperança está em Dona Celeste que nasceu, já grande, daquilo que desprezamos e apelidamos lixo, quando podemos tirar grande proveito. E eu pergunto, não estará o ser humano no lixo (lixo de verdade) cercado de opressões. Não estará o homem no lixo, quando fecha os olhos e não quer aceitar a sua natureza humana!
“O ser torna-se humano quando descobre o teatro!”Boal. E dona Celeste e os bravos moçambicanos que assistiram o seu parto descobriram o TEATRO DO OPRIMIDO!

Gostaria de dar um grande abraço a todas e todos moçambicanos que se apaixonaram pelo Teatro do Oprimido e o aceitaram como instrumento de trabalho, mas sobretudo, como estilo de vida.

“ O acto de transformar é transformador” Boal.

MAYTHABASSA!
Dinis Chembene

No comments: